another tribe by fredmatos

Cena de um piquenique

num piquenique no asfalto
a moça de salto alto
mastiga o sanduíche
ao lado da lata do lixo

no outro lado da praça
uma fashion-girl se maquia
equilibrada sobre esferas
na órbita de um crucifixo

o fotografo arma a cena
porém no instante do flash
abriram a jaula do bicho
e soou um estampido

de smoking no galho mais alto
o executivo prolixo
quiçá pensando que é pássaro
abre as asas, assobia

atenta ao cântico do chefe
a secretária anota e não nota
que faz papel de idiota
na rota de fuga do bicho

o executivo contudo
encontrou a bala perdida
caiu morto na grama
com os miolos à mostra

é a secretária que grita
e a fashion-girl simplifica
caindo na gargalhada
achando que é palhaçada

o fotografo vendo aquilo
procura o ângulo exato
que enquadre no retrato
o cadáver e a cadavérica

mas na foto revelada
a única coisa que havia
era a moça de salto alto
passando patê no asfalto.

Fred Matos

via 500px http://ift.tt/1LIKME8

wonderwork by fredmatos

I wish a happy Wednesday for all.
I thank everyone for the visits. favorites, votes and comments.

*
“O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender …

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar …
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar…”

Alberto Caeiro – Fernando Pessoa

via 500px http://ift.tt/1Lx2i0H

infancy by fredmatos

“Tirem-me os deuses
Em seu arbítrio
Superior e urdido às escondidas
O Amor, gloria e riqueza.

Tirem, mas deixem-me,
Deixem-me apenas
A consciência lúcida e solene
Das coisas e dos seres.

Pouco me importa
Amor ou glória.
A riqueza é um metal, a gloria é um eco
E o amor uma sombra.

Mas a concisa
Atenção dada
Às formas e as maneiras dos objectos
Tem abrigo seguro.

Seus fundamentos
São todo o mundo,
Seu amor é o plácido Universo.
Sua riqueza a vida.

A sua glória
É a suprema
Certeza da solene e clara posse
Das formas dos objectos.

O resto passa,
E teme a morte.
Só nada teme ou sofre a visão clara
E inútil do Universo.

Essa a si basta,
Nada deseja
Salvo o orgulho de ver sempre claro
Até deixar de ver.”

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa.

via 500px http://ift.tt/1J3jH39

transparency and light by fredmatos

espanto

persegue-me o espanto de ser ainda que sendo
não tanto quanto um impossível de esquecer
um qualquer anônimo pobre e sujo vagabundo
que contudo desfruta este sol esta terra este mar
todo orgasmo necessário para sorridente viver
ainda que tenha o coração de vidro dividido
entre emoções inventadas e a razão que só vê
o vínculo íntimo entre o sentimento fictício
e o espanto absurdo daquilo que falei no início.

Fred Matos

via 500px http://ift.tt/1eesjGa